Na internet, se você procurar pela primeira vez, vai se espantar com os apelidos que esse esporte possui. Um dos mais comuns é “futebol medieval”. Mas, também dá para encontrar definições como “de quebrar os ossos” ou “futebol e rúgbi de Florença”.
Mas, no fim das contas, o que tudo isso quer dizer? Criamos essa matéria para explicar mais desse esporte que é tão excêntrico. E, apesar de não estar na lista dos mais conhecidos do mundo, com certeza, você vai se surpreender com ele e com a agressividade dele.

O futebol medieval de Florença
Florença fica na Itália. E Calcio Storico vem de lá. Ele é um torneio anual que mistura futebol com luta ou rúgbi com artes marciais. Bom, não é isso que importa agora. O fato é que é um esporte brutal, por isso, é sempre visto como aquela ideia “medieval”.
Isso porque não é raro ver um jogador deitado com as pernas abertas no campo de jogo e com a superfície do rosto toda ensanguentada. O ferimento ainda se espalha pelo restante do corpo, que está nu em boa parte. Em boa parte das vezes, esse jogador nem pode se mover.
De outro lado, você olha e vê um grupo de homens se agarrando. Aliás, se debatendo. Isso varia entre punhos, joelhos, ombros e cotovelos. Não dá para dizer que é futebol, dá? A cena pode parecer surreal, só que é comum nesse esporte, que ainda existe lá na Itália.
O contexto medieval
E para contextualizar tudo isso que falamos, que tal você notar que as roupas que eles usam na parte debaixo do corpo é formada por calças largas e com listas brilhantes, idênticas aos dos guerreiros que existem no século XVI?
Bom, e tem mais um detalhe que traz a ideia: o nome original do esporte é calcio storico fiorentino ou algo como “futebol histórico de Florença”. Para outros, esse é o cálcio in costume ou “futebol fantasiado”. Só que de fantasia ele não tem muita coisa, viu.
É uma das modalidades ancestrais mais letais que ainda perduram hoje em dia. por isso, muita gente a assemelha com o futebol, o futebol americano, o rúgbi. Mas, para quem olha profundamente, ele está muito mais ligado aos octógonos de MMA.
Como funciona o calcio storico fiorentino
A formação para o começo de uma partida se dá por 2 times de 27 jogadores cada um. Esses jogadores são os calciantis. O que eles devem fazer é lutar para levar uma bola até o gol do time adversário. E talvez essa seja a única semelhança com o futebol que conhecemos.
O gol sempre fica do lado oposto da defesa. O campo é formado por uma distância de 40 metros de largura por 80 metros de comprimento. Fora esse objetivo do gol, saiba que o esporte pode ter outras regras também, que quase nunca são bem explicadas.
Sendo assim, você pode estar pensando que como é um esporte muito agressivo e, aparentemente, sem regras, ele não tem punições, penalidades ou faltas, certo? Só que você está enganado porque há restrições sim.
O que não se pode fazer no calcio storico
Há basicamente 3 coisas que não se pode fazer nesse esporte. A primeira é atingir o adversário por trás. Isso quer dizer dar socos, chutes ou coisas assim. No entanto, os empurrões ou tackles (comum no futebol americano) são permitidos.
Outra coisa é que não se pode atingir o adversário que já esteja caído no chão. No entanto, dá para derrubar os oponentes, obviamente. E jamais se deve jogar dois contra um. Ou seja, se um jogador está disputando a bola com o seu companheiro de time, você fica fora.
Você só vai poder tocar o adversário se ele estiver com a bola e não o seu companheiro de equipe, entendido? São regras que não se sabe exatamente se funcionam, mas elas existem.
A arbitragem do calcio storico
E uma coisa que pode surpreender é que o jogo conta com uma equipe de arbitragem. Ela é formada por um árbitro e mais 6 bandeirinhas que oficializam o jogo. Tem um juiz-comissário que fica fora de campo também.

E acima de todos vem o Mestre do Campo, que é responsável por garantir que o jogo corra bem, na medida do possível. Ele pode entrar em campo para manter a disiciplina local e reestabelecer as lutas. O jogo começa com um tiro de canhão.
Os jogos de calcio storico em Florença
Cada partida dura 50 minutos e não há intervalos e nem substituições de jogadores. Então, se um jogador quiser sair de campo, ele tem a liberdade. Porém, outro não vai poder entrar no lugar dele. Por isso, mesmo machucados, jogadores não saem de campo.
É preciso lembrar ainda que apesar de ser um jogo que realmente perdura ao tempo, não há jogadores profissionais desse esporte. Ou seja, ninguém ganha dinheiro ou salário para jogar calcio storico. Assim, é um esporte amador, chamado também de “diversão histórica”.
E, na verdade, não importa muito qual é a definição que você vai usar para isso. O fato é que o hobby é agressivo e pode machucar mesmo. O resultado é que hoje em dia só existem 4 times em Florença e não se sabe sobre outros clubes ao redor do mundo.
O torneio oficial de calcio storico fiorentino
É como essas 4 equipes que se faz o campeonato italiano que acontece 1 vez ao ano. Tudo funciona em uma espécie de mata-mata, quase que literalmente falando. Sendo duas semifinais e uma grande final para decidir quem é o grande campeão.
Então, ainda que o time seja bom ou ruim, ele só vai conseguir jogar, no máximo, 2 vezes em uma mesma competição. Uma curiosidade é que todas essas equipes começam a preparação 3 meses antes do torneio e fazem treinos 3 vezes na mesma semana.
Um time pode ter até 70 jogadores no elenco, sendo que só 27 deles podem jogar na partida oficial. Aliás, o torneio, até algum tempo, pagava como prêmio uma vaca da raça Chianina. Só que ele foi retirado da premiação e hoje o campeão só ganha o campeonato mesmo.
O calcio storico faz sentido se…
Apesar de você analisar um jogo muito agressivo e medieval pode ser que ele não faça sentido para você. Quando se entrevista os jogadores dos times, eles também não sabem explicar muito bem o interesse daquilo. De modo comum, falam em “adrenalina”.
Por outro, quando se faz um estudo sobre fatores históricos e conceitos italianos, conseguimos chegar a uma definição um pouco melhor. Isso acaba caindo na ideia do “campanilismo”. Mas, o que seria isso? Vamos explicar.
Na Itália, o localismo é muito comum. Ou seja, pessoas se sentem ligadas inteiramente aos seus bairros, suas ruas, suas torres de igrejas. Inclusive, as torres de igrejas são chamadas de campanile e daí vem o campanilismo. E essa cultura está presente no esporte.
A cultura do calcio storico fiorentino
Quando se analisa as equipes formadas para disputar a competição, observamos que cada uma recebe o nome de uma igreja, que representa um bairro histórico de Florença. Ou seja, é um fator muito ligado as tradições locais.
Por exemplo, Bianchi tem referência a Basilica di Santo Spirito. Rossi tem a ver com a Santa Maria Novella. Verdi tem relação direta com a San Giovanni. E Azzurri é da Santa Croce. Cada um tem a sua cor de destaque, sendo branca, vermelha, verde e azul.
Inclusive, os padres locais abençoam as bandeiras dos times que os representam. Isso tudo durante a missas que acontecem os preparativos para os torneios. Alguns deles chegam a falar que esse esporte tem um papel integrador para toda a comunidade.
Quem pode jogar o calcio storico
Isso também tem a ver com a regra de quem pode jogar as partidas de calcio storico: somente nascidos em Florença ou que tenham vivido ali por pelo menos 10 anos consecutivos. Hoje, os jogos vêm após uma procissão pelas ruas da cidade.
Essa caminhada conta com cavalaria, arqueiros e soldados. É algo bastante semelhante a uma guerra ou ao período medieval. Já as pessoas podem ir com roupas coloridas e carregando armas da época, como pás.
Os rituais estão ligados aos primeiros jogos de calcio storico, que são datados em 1530. Isso aconteceu quando o povo da cidade local havia derrubado o governo e fundado uma república independente. Porém, ficaram sob o cerco do Império Romano-Germânico um pouco depois.
As versões não tão brutais
Conforme relatos históricos, também se acredita que houveram versões menos brutais do esporte. Por exemplo, quando ele foi reservado a aristocratas locais, que jogavam durante as noites entre dois eventos importantes para a região: Epifania e Quaresma.
Inclusive, os papas participavam, como é o caso do Clemente VII, Leão XI e Urbano VIII. Isso aconteceu na Cidade do Vaticano. E eram menos violentos por um motivo: eles não precisavam marcar gols. Só não se sabe ao certo qual era o objetivo nessas ocasiões específicas.