Robinho, de nome completo Robson de Souza, deixou seu clube de infância Santos, pelo Real Madrid em uma transferência de £ 20 milhões em 2005. O jovem de 21 anos proclamando que ganharia a Bola de Ouro em “dois ou três anos”.
Em vez disso, 12 anos depois em novembro de 2017, ele foi considerado culpado por sua participação no estupro coletivo de uma mulher em 2013 na Itália, onde jogava pelo AC Milan. Julgado à revelia pelo sistema judicial italiano, foi condenado a nove anos de prisão, mas nunca cumpriu pena.
A sentença foi suspensa enquanto se aguarda um recurso, que deve ser ouvido na quinta-feira: Robinho sempre disse que pretende provar sua inocência. Como se fosse necessário verificar como tais casos são vistos pelos clubes de futebol brasileiros, apenas três dias após a condenação de 2017, Robinho jogou 90 minutos pelo seu então clube, o Atlético Mineiro.
O silêncio envolvendo a polêmica
O Atlético (coloquialmente conhecido como Galo), disse na época que não comentaria o caso de Robinho por ser um assunto pessoal. Os torcedores reagiram erguendo faixas, incluindo uma que dizia: “Galo, seu silêncio é violento. Não aceitamos estupradores”.
Quando seu contrato terminou, um mês depois, a pressão foi suficiente para garantir que não houvesse renovação, e o atacante mudou-se para a Turquia, ingressando no Istanbul Basaksehir.
Quando sua nova equipe viajou para Roma na Liga Europa em setembro de 2019, Robinho foi deixado para trás em meio a relatos de que ele seria preso. Os assessores jurídicos do brasileiro insistem que ele está livre para entrar na Itália.
Robinho sempre defendeu sua inocência
Em outubro ele deu uma entrevista na qual alegou que a mulher estava consentindo e que seu único erro foi “não ser fiel à minha esposa”. Referindo-se às pressões que levaram à suspensão de seu contrato com Santos, acrescentou: “Infelizmente existe esse movimento feminista”.
No entanto, para muitos no Brasil, a questão é menos sobre a capacidade de Robinho de provar sua inocência, como ele fez na Inglaterra em 2009, quando o então atacante do Manchester City enfrentou acusações de agressão sexual grave em uma boate de Leeds.
Em vez disso, é sobre o motivo pelo qual os clubes de futebol brasileiros continuam tão dispostos a oferecer contratos e tempo de jogo para jogadores envolvidos em investigações criminais.
É provável que a Federação Brasileira de Futebol tenha um time inteiro de jogadores ativos acusados ou condenados por crimes relacionados à violência de gênero ou agressão sexual. Apenas um dia após a apresentação de Robinho no Santos, o Red Bull Bragantino estreou-se com Wesley Piontek, condenado em outubro de 2019 a 16 meses em prisão aberta por agredir a então namorada.
Outros casos de violência chamam atenção
O caso mais chocante dos últimos anos é o do ex-goleiro do Flamengo Bruno Fernandes de Souza, que cumpriu menos de um terço da pena de 22 anos por ordenar o assassinato de um ex-amante. Eliza Samudio foi estrangulada e seu corpo picado e dado como alimento para cães, mas Bruno continua ganhando a vida jogando futebol pelo Rio Branco, no Acre.
“O futebol é grande em todo lugar, mas aqui no Brasil é como uma religião”, diz Monica Sapucaia Machado, professora de direito político e econômico e especialista em direitos da mulher. Ainda acrescentou que:
“Os clubes são organizações que podem falar com as pessoas muito melhor do que com o governo. Eles ajudam a criar uma cultura, então quando um grande clube de futebol onde Pelé jogou e que representa o Brasil em todos os lugares aceita alguém considerado culpado de violência contra as mulheres, diz ao Povo brasileiro que é aceitável. ”
O caso Mariana Ferrer
Outro caso de estupro no país ganhou as manchetes no mês passado: trechos de vídeo do julgamento de abuso sexual de um promotor de evento de 23 anos, mostravam ela sendo humilhada até as lágrimas pelo advogado de defesa de um rico empresário que trabalha com jogadores de futebol e celebridades.
Imediatamente vários clubes de futebol brasileiros apoiaram a mulher, Mariana Ferrer, mas o Santos, que nos últimos tempos tem sido muito ativo na conscientização sobre as agressões contra as mulheres, não. Kelly Gomes, porta-voz do único torcedor feminino do clube, acha melhor o clube ficar calado.
Saída de Robinho do Santos
O clube disse que tanto ele como o clube concordaram “para que o jogador se concentre exclusivamente na sua defesa no caso em curso na Itália”. Thiago Arantes, autor de Immortal Idols: The 10 Best Players of Santos, diz que não ficou surpreso com a decisão do clube de contratar Robinho e acredita que o momento simboliza uma maior desconexão com o público.
“Infelizmente, no Brasil, os clubes costumam ter a mentalidade de que estão acima da lei”, diz Arantes, cujo livro de 2011 inclui um capítulo dedicado à passagem de Robinho no litoral de São Paulo. Completou que:
“É como se eles vivessem em um mundo paralelo e na verdade é bem provável que nem tenham percebido o significado da data de 10 de outubro. Santos teve uma grande oportunidade de se posicionar, mas falhou completamente em aproveitá-la”.
A acusação da mídia, segundo Robinho
O próprio Robinho comparou a reação à sua jogada em Santos com o tipo de ‘perseguição’ da mídia de que Bolsonaro costuma reclamar. Disse que estava “se sentindo um Bolsonaro, todo mundo tá me atacando”, acrescentando: “Na Turquia e na Itália não houve essa repercussão. Aqui no Brasil priorizam más notícias. As pessoas só querem curtir. Olha só. eles fizeram com o presidente sem provas. Eles estão me acusando sem provas. ”
Sapucaia Machado, especialista em direitos das mulheres, acredita que a federação de futebol do país deve tirar o poder de decisão dos clubes e proibi-los de contratar jogadores que tenham processos pendentes por violência contra mulheres.
Segundo Sapucaia Machado, “O futebol emprega muitas pessoas, mas os clubes ainda agem como se a violência doméstica fosse apenas um pouco divertido e algo que todos os homens fazem. Precisamos lembrar que os clubes são corporações muito ricas e poderosas; com mais influência que os políticos.”
Ela ainda completou que “Eles entendem que esse tipo de comportamento é algo que vende. É propaganda.” Ainda não mudamos nossa cultura. Na verdade, perdemos muito terreno nos últimos dois anos. É por isso que o caso Robinho é tão emblemático. É um problema global e as mulheres vivem esse tipo de situação em todos os lugares, mas no Brasil essa é a nossa realidade”.
Traduzido e adaptado por equipe Ao Vivo Esporte
Fonte: BBC